Interlíngua em Rio Oiapoque [in blues], de Marven Junius Franklin

Lara Utzig
3 min readNov 23, 2020

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“o trabalho de escrita consiste sempre em transformar nossa própria língua em uma língua estrangeira, em convocar outra língua na língua, língua outra, outra língua. Operamos sempre no afastamento, na não-coincidência, na clivagem” (MAINGUENEAU apud ROBIN, 2005, p. 180).

Marven Junius Franklin é natural de Santarém (PA). Descendente de confederados norte-americanos que aportaram no Norte do Brasil na segunda metade do século XIX, reside atualmente em Tartarugalzinho, no Amapá, trabalhando na docência da disciplina de Educação Física; antes disso, morou muitos anos em Oiapoque, onde se consolidou como produtor textual e ficou popularmente conhecido como “poeta da fronteira”, graças à obra Rio Oiapoque [in blues], que tive a oportunidade de revisar e escrever a apresentação.

No processo de construção tanto da paratopia quanto da produção de sentidos, cabe pensar no papel desenvolvido pela interlíngua para a tessitura de um código linguageiro particular em Marven. Mas antes de adentrar nessa discussão, faz-se necessário apresentar esse conceito-chave.

Maingueneau (1993) dissera que “em função do estado do campo literário e da posição que aí ocupa, o escritor negocia, através da interlíngua um código de linguagem que lhe é próprio. Escreve, portanto, sobre as fronteiras: não tanto em francês, em italiano, etc., quanto na junção instável de diversos espaços de linguagem” (POSSENTI, 2020, p. 104)

Existe, portanto, uma combinação própria de usos que constituem uma interlíngua. Assim, talvez se possa dizer […] que ninguém se expressa em uma língua, nunca, mas sempre em um código selecionado na interlíngua” (POSSENTI, 2020, p. 24). Essas escolhas moldam o discurso.

“Essa maneira de enunciar, e nenhuma outra, é a necessária ao mundo que constrói” (SALGADO, 2010).

Observemos o seguinte poema, que dá nome ao objeto editorial em tela:

RIO OIAPOQUE [IN BLUES]

Da Rampa de Embarque

até o Chez Modestine

catraias multicores a mover meus dias

(horas que morrem

sob luas imaginárias — encantado cais que me abriga).

Ó, demoiselle!

Tu conheces bem os entardeceres frios

& a neblina densa que acende meus medos.

Ó, Oiapoque!

O leito desse teu rio afável

traz a metade lírica de minha vida

(apegos

prantos

pores do sol

solidão).

Ó, Rio Oiapoque!

És um blues.

(FRANKLIN, 2018, p. 57)

Em entrevista ao blog jornalístico Seles Nafes, importante portal de notícias do Amapá, Marven justifica o título: “notei que o rio Oiapoque é azul entre seis e sete da manhã. Por isso o livro leva blues em seu título. Oiapoque é poético”.

A imagem de poeta da fronteira é fortalecida através dos versos; o eu-lírico limítrofe se confunde com a identidade do autor, próximo da Guiana. A marca da localização geográfica peculiar é apontada nos usos de termos estrangeiros como Chez Modestine e demoiselle, acrescidas do blues, que também aponta a origem norte-americana de Marven. Esse plurilinguismo externo aponta a zona de contato de diversas culturas, uma vez que Oiapoque é habitada por etnias de povos como os galibis, caripunas, palikur, franceses, amapaenses, e é um ponto de encontro entre português, créole e línguas indígenas.

Ao cantar os girassóis imaginários de lá, Marven costurou um modo de dizer em uma cenografia que lhe atribuiu valor e legitimação dentro da literatura amapaense.

REFERÊNCIAS

FRANKLIN, Marven Junius. Rio Oiapoque [in blues]. Belém/PA: Twee Editora, 2018.

G1 AMAPÁ. Poeta do Amapá recebe prêmio ‘Destaque da Literatura do Extremo Norte’ no Pará. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2019/03/01/poeta-do-amapa-recebe-premio-destaque-da-literatura-do-extremo-norte-no-para.ghtml.

POSSENTI, Sírio. Notas sobre interlíngua. Revista Estudos Em Letras | v. 1, n. 1 | jul. — dez. 2020. Disponível em:

SALGADO, Luciana. A interlíngua de Atrás da Catedral de Ruão. In: Crítica & Companhia, Campinas/São Paulo, n. VI, 2010.

SELES NAFES. O descendente de confederados que virou poeta em Oiapoque. 2019. Disponível em: https://selesnafes.com/2019/06/o-descendente-de-confederados-que-virou-poeta-em-oiapoque/.

SOUZA, Francisca Marques de. Crítica literária e poesia no Rio Oiapoque [in blues] de Marven Junius Franklin. Monografia (Licenciatura em Letras/Francês) — Universidade Federal do Amapá (UNIFAP, Campus Binacional de Oiapoque), 2019.

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Lara Utzig

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